29 de out. de 2009

O PAI DA MEDICINA



Hipócrates-biografia do "PAI DA MEDICINA"



BIOGRÁFIA DE HIPÓCRATES, O "PAI DA MEDICINA"


RESUMO

Hipócrates de Cós, o "pai da medicina", viveu na segunda metade do século V a. C., auge da efervescência cultural ateniense. Tão elevada se tornou sua reputação que grande número de textos médicos, escritos em dialeto iônico e de características técnicas e liiterárias díspares, acabaram sendo-lhe atribuidos pela posteridade. Após sua morte, tantas lendas foram criadas e incorporadas à sua biografia que se pornou difícil, hoje em dia, separar o Hipócrates histórico do Hipócrates lendário. O objetivo do presente artigo é investigar, à luz dos testemunhos antigos, quais aspectos da biografia de Hipócrates podem ser atribuídos ao Hipoócrates histórico.
Palavras-chaves: Hipócrates; biografia antiga; medicina grega; medicina, história; ciência, história; Antigüidade.

Era costume, na Antigüidade, reunir todas as informações disponíveis sobre personagens de relevo - sem considerações críticas muito rigorosas - em curtas biografias ou "Vidas". Esses textos eram inseridos pelos copistas em papiros e pergaminhos que, depois de alguns séculos e de dezenas de cópias, adquiriam autoridade e estatuto de verdade. A crítica moderna tem, no entanto, encarado com ceticismo crescente a maioria dessas informações, em geral calcadas nas alusões mais ou menos obscuras de obras literárias e nos comentários nem sempre impecáveis de escoliastas e comentadores antigos. A biografia de Hipócrates, médico grego cognominado tradicionalmente de "pai da Medicina", é um dos exemplos mais ilustrativos dessa antiga prática.
No presente artigo, será brevemente discutida a pertinência histórica das informações da Suda, espécie de "enciclopédia" compilada pelos eruditos bizantinos no século X d. C., a respeito do pai da Medicina. Eis a tradução do verbete "Hipócrates".
"Hipócrates de Cós, médico, filho de Heraclides. Que ele seja mencionado também antes do avô, o pai de Heraclides (se ele era seu homônimo), pois se tornou astro e luz daquela medicina mais útil à vida. Descendente de um tal Críso e de seu filho Èlafo, médicos eles também, tornou-se primeiramente discípulo de seu pai; depois disso, de Heródico de Selúmbria e de Górgias de Leontinos, retor e filósofo. Segundo alguns, foi discípulo de Demócrito de Abdera que já velho, deu atenção ao jovem; e, segundo alguns, de Pródico. Esteve algum tempo na Macedônia e se tornou muito amigo do Rei Pérdicas. Teve dois filhos, Téssalo e Drácon; morreu depois de cento e quatro anos de vida e seu funeral foi realizado em Larrissa, na Tessália. Conforme as descrições, ele fazia as perguntas cobrindo e descobrindo a cabeça com o manto, ou porque isso era um hábito, ou devido ao gosto por viagens, ou por ser conveniente para a prática profissional. Ele escreveu muitas coisas e se tornou proeminente em razão de todas elas. Por esse motivo o rei dos persas, o que era chamado de Artaxerxes, tendo necessidade da sabedoria do homem, escreveu para Histanes: 'O rei dos reis, o grande Artaxerxes, saúda Histanes, Governador do Helesponto. Rumores sobre a arte do médico Hipócrates de Cós, da família de Asclépio, chegaram a mim. Dá-lhe ouro, portanto, quando ele quiser; se isso, mesmo abundante, for insuficiente, envia-o a nós. Ele terá os mesmos privilégios que os mais nobres dos persas; e se há na Europa outro homem excelente, coloca-o como amigo da casa do rei, para que não gaste suas riquezas, pois encontrar homens capazes de dar bons conselhos não é fácil. Adeus. "Os livros escritos por Hipócrates são notáveis e contemplam todo o conhecimento médico. Desse modo eles são acolhidos afetuosamente, como as palavras saídas da boca de um deus e não da de um ser humano. Lembraremos somente os mais importantes dentre eles: o primeiro é o livro do juramento adotado; o segundo, o que apresenta os prognósticos; o terceiro, o dos afrorismos, que ultrapassa o entendimento humano. Em quarto lugar, coloque-se o c´lebre e extraordinário Livro Sesenta, que contém todo o conhecimento e sabedoria da medicina."
Testemunhos antigos confirmam que existiu um médico chamado Hipócrates, natural da ilha de Cós, que visitou Atenas no fim do século V a. C.; a menção ao pai e à cidade de origem seguem o costume grego. É admissível que avô e neto tivessem o mesmo nome, já que esse era um hábito da época; a probabilidade de que os outros parentes tenham realmente existido é, no entanto, consideravelmente pequena. Téssalo e Drácon, por exemplo, respectivamente " tessaliano" e "grande serpente", são claras referências a aspectos da lenda hipocrática comentados mais adiante; Heraclides significa "descendente de Héracles", talvez uma tentativa de ligar Hipócrates ao famoso herói mítico.
Os asciepíades constituíam, na Grécia Antiga, um genos, uma "família" de médicos que alegava descender de Asclépio, o deus grego da Medicina. Os antigos médicos gregos não eram todos, obviamente, ligados por laços de sangue, embora seja possível que em épocas remotas o conhecimento médico tenha-se transmitido somente no seio de certas famílias. Asclépio, se gundo Platão, deixou discípulos e, com o tempo, o termo "asclepíade" adquiriu a conotação de "praticante da medicina". Na época de Hipócrates é mais adequado falar-se de koinon, "comunidade", e não de genos, "família", pois pessoas que não pertenciam à família eram já admitidas na associação(como nas "guildas" medievais). No século IV a.C. existiu em Cós e Cnidos, no sudoeste da Àsia Menor, uma próspera comunidade de "descendentes de Asclépios" que, mais tarde, daria origem ao que os eruditos modernos chamam impropriamente de "escola de medicina" de Cós e de Cnidos, cada uma com sua própria visão da arte médica. Platão confirma também que hipócrates era efetivamente um asclepíade e que seu genos - koinon - era de Cós.
O fato de Hipócrates ter aprendido os princípios da medicina com o pai concorda com a tradição grega de transmissão de conhecimentos profissionais dentro da própria família. Era também possível aprender a medicina tornando-se discípulo de um médico, conforme o juramento, segundo Platão, o próprio Hipócrates aceitava discípulosem troca de pagamento. Nada, porém, confirma que Hipócrates tenha sido discípulo dos homens mencionados. Aparentemente, o autor da Suda simplesmente se apropriou do nome de alguns contemporâneos famosos, sem evidências palpáveis, apenas para compor uma sucessão.
Não é impossível que Hipócrates tenha estado na Macedônia, pois os médicos gregos viajavam bastante. È verdade que os ricos reis da Macedônia tentavam, na época de Hipócrates, se helenizar e atraíram intelectuais de peso para sua corte, como o poeta trágico Eurípides (c. 408 a.C.) e o médico Nicômacos de Cnidos, pai do filósofo Aristóteles (c. 393-370a.C.); nenhyma fonte confiável sustenta, porém, a afirmação de que Hipócrates se tornou amigo do rei Pérdicas durante sua permanência na Macedônia. Não me parece verossímil, igualmente, que ele cobria e descobria a cabeça com o manto enquanto atendia pacientes ou conversava: os gregos se cobriam somente quando estavam fora de casa, fora dos templos ou então viajando. Não é de todo descabido que Hipócrates tenha morrido na Tessália, durante uma de suas viagens, e que tenha sido enterrado em Larissa; mas é conveniente manter uma considerável reserva. Conforme antiga tradição, sua tumba era ainda visitada em Larissa durante o século II e o autor do verbete pode ter-se baseado nessa fraca evidência.
Sua idade ao morrer, 104 anos, parece flagrante exagero. Outras tradições, mais modestas, falam de 85 ou 90 anos, mesmo assim, Hipócrates teria vivido muito mais tempo do que quase todos os seus contemporâneos. O estudo dos esqueletos de 272 pessoas que viveram em Metaponto ++ entre 600 e 250 a.C revelou que a expectativa média de vida dos adultos era de 42 anos para os homens e de 39 anos para as mulheres; o esqueleto mais antigo tinha pouco mais de 50 anos. O mais provável, portanto, é que Hipócrates tenha morrido com essa idade, ou pouco mais. Os diálogos de Platão aludem a acontecimentos das décadas que antecederam a morte de Sócrates (469 - 399 a.C.); é lícito, pois considerar Hipócrates contemporâneo de Sócrates, mas não é possível precisar nem a data de sua morte e nem a data de seu nascimento.
Cartas e anedotas eram invariavelmente atriduídas a quase todos os personagens famosos da Antigüidade. Para Littré, a carta do rei da Pérsia faz parte dessa tradição: "não merece confiança alguma, é apócrifa e obra de falsificadores". As obras médicas atribuídas a Hipócrates, por outro lado, constituem problema à parte. O tamanho da coleção hipocrática variou ao longo do tempo e, desde a Antiqüidade, tenta-se determinar quais dentre seus anônimos tratados são "dignos de Hipócrates"; os textos, porém são por demais heterôgeneos para serem atribuídos a um único autor. Para a crítica moderna, é possível que Hipócrates tenha escrito um ou mais desses tratados; faltam evidências seguras, porém, para consignar-lhe a autoria de qualquer um deles nem mesmo o celebrado juramento de Hipócrates, Hipócrates de Cós deve ter sido um dos médicos gregos pioneiros que, em algum momento da segunda metade do século V a.C., estabeleceram as bases racionais da medicina moderna; graças à sua elevada reputação, os anônimos textos médicos que circulavam em Atenas no fim do século V a. C. 31 (já escritos, talvez, em dialeto iônico) foram vinculados a ele pelas gerações seguintes.
Sabe-se realmente pouco coisa a respeito do Hipócrates histórico. É certo que Hipócrates, neto de Hipócrates, nasceu em Cós; que grande parte de sua vida transcorreu na segunda metade do século V a. C.; que ele era um "asclepíade", membro de uma espécie de corporação de médicos ligados por laços familiares e/ou profissionais; que ensinou medicina mediante pagamento; e que desfrutou, em vida, de grande renome. É muito provável que tenha aprendido os rudimentos da profissão com o pai, também médico; que clinicou em vários lugares; que criou, desenvolveu ou divulgou conceitos inovadores a respeito da arte médica; e que escreveu a respeito de assuntos médicos. Morreu, possívelmente, durante uma de suas viagens, nas primeiras décadas do século IV a. C., e pode ter sido enterrado em Larissa, na Tessália.


Nenhum comentário:

Postar um comentário